Plot Twist: a arte de enganar e ainda assim cativar

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Por: Carol Ferreira (Annye)




O texto contém grandes spoilers. No entanto, eles estão marcados em branco. Para lê-los, basta selecioná-los com o mouse. Só sugiro que faça caso já tenha lido o livro/assistido ao filme.
Aqui no blog da Liga, a gente já falou várias vezes sobre clichês.
Como eu teria um trabalho enorme para fazer um compilado de textos que abordam o clichê (correndo ainda o risco de não reunir todos os links desse tema), vou deixar apenas a dica para que vocês procurem mais sobre o tema na caixinha de busca que fica logo ao lado do menu.
Mas se vocês notaram o título do texto, perceberam que hoje nós não vamos falar dos temidos clichês, e sim, de seu oposto.
“Plot twist” (plot = enredo/twist = torcido), traduzido literalmente como reviravolta, é um elemento narrativo usado para surpreender os leitores/expectadores.
A wikipedia define Plot Twist como: “[...] uma mudança radical na direção esperada ou prevista da narrativa de um romance, filme, série de televisão, quadrinho, jogo eletrônico ou outra obra narrativa. É uma prática muito usada para manter o interesse do público na obra, para normalmente surpreendê-los com uma revelação.”
Mas como eu uso o plot twist em meu texto? Só há uma maneira?”
Claro que não!
Existem vários métodos de introduzir um plot twist em uma narrativa. Por falta de didática melhor, acredito que a melhor forma de explicar as diversas formas seja enchendo esse post com inúmeros exemplos. Eles obviamente virão acompanhados de spoilers, a fim de ilustrar da melhor forma possível. 

Então peço desculpas desde já, e aviso que os spoilers estarão invisíveis (para ler o spoiler, basta selecionar o texto entre aspas com o mouse). 

1. Plot Twist ao fim da narrativa


O tipo de reviravolta que todos conhecem. Nesses casos, o grande clímax da história está justamente em um grande fato ou acontecimento. Ele determinará o fim da história, e é por meio desse grande final que conhecemos obras que ficaram eternizadas.
~Spoilers – Clube da Luta (filme de David Fincher)~
Quem já assistiu sabe que no fim da história descobrimos que o Tyler na verdade era uma projeção do próprio Jack, devido suas noites insones e problemas psicológicos.
Mas o plot twist da história se revela apenas ao fim, quando Jack passa a rever todos os acontecimentos pela sua ótica, e se vê segurando a arma que Tyler apontava para ele. Naquele momento, é tarde demais para conter o grande plano de Tyler, que acaba ocorrendo. Mas fica subentendido que o romance entre Jack e Marla foi levado a frente – isso é, se ele não foi preso e sobreviveu.”
Sendo assim, podemos dizer que a marca registrada desse tipo de elemento narrativo, quando executado da forma acima citada, é a surpresa que só afeta aquele pequeno período de tempo. Nós não veremos o que irá acontecer depois, porque o depois não importa. O choque imediato é suficiente para que qualquer dúvida se torne algo de segundo plano.
2. Plot Twist no início/meio da narrativa
Estamos acostumados a ver reviravoltas acontecerem no final, mas esse tipo de plot twist muito me interessa por sua peculiaridade. Diferentemente do que se espera, a história é narrada bem até determinado ponto e depois ainda tem que lidar com os resultados – imediatos e a longo prazo – de sua mudança.

~ SPOILERS: “A favorita” (novela de João Emanuel Carneiro)
Aqui temos duas protagonistas: Flora e Donatella. Por mais de dois meses de novela (exatamente 59 capítulos), o público foi induzido a pensar que Donatella tinha cometido um crime e estava pagando por seus pecados na cadeia. Mas no capítulo 60, eis que surge a magia do twist.
Foi na verdade Flora quem cometeu o crime, e a missão de Donatella passa a ser desmascarar a vilã e reconquistar sua filha, que acabou ficando sob a tutela de Flora enquanto Donatella esteve na cadeia..”
O mais legal nesse tipo de reviravolta, é que ainda temos mais da metade dos acontecimentos pela frente. Sendo assim, o autor praticamente desenvolve duas tramas. Além do mais, o plot twist aqui não serve para dar fim a uma sucessão de fatos, mas para desencadear uma série de novos problemas que deverão ser solucionados até o fim da jornada.
Ou seja, usar a ferramenta do plot twist no meio da história é mais para “animar” o público, dando a eles a sensação que a história não é previsível e que muita coisa ainda pode acontecer dali pra frente.

Ainda existem algumas subclasses para os twists:
a) Cronologia reversa: a história, nesses casos, começa justamente pelo seu final. Sendo assim a curiosidade é plantada no “como” a situação prosseguiu até que se chegasse a esse ponto e não no “porquê”.
Exemplo: Em “Memórias póstumas de Brás Cubas”, temos o narrador protagonista contando sua história até que chegasse a morte. Mas ele avisa o leitor logo no início que ele já estava morto.
b) Red herring (ou “distração”): usado principalmente em romances policiais, é a reviravolta que pega a todos desprevenidos, pois planta pistas falsas ou oculta informações primordiais para a solução do mistério.
Exemplo: Em “Os Outros”, vemos uma mãe desesperada com a casa cheia de fantasmas. Durante todo o filme tentamos entender de onde vêm os espíritos e o que fazer para afastá-los. Até que para surpresa geral, na verdade a Nicole Kidman, seus filhos e empregados que estavam mortos. Chocante.
c) Flashbacks: esses aqui são mais do que conhecidos. Usados por 10 em cada 11 ficwriters (e aqueles que nunca usaram, ainda vão), são a melhor forma de justificar uma personagem. Trazendo o que já sabemos de flashbacks para a mecânica do plot twist, nesses casos, apenas uma cena do passado é suficiente para mudar todo o enredo futuro.
Exemplo: Em “Titanic”, o objetivo principal do filme é achar o maldito diamante que todos achavam que tinha se perdido para sempre na imensidão azul. Claro que tudo foi esquecido a partir da primeira cena de Jack e Rose. Até que já estamos nos anos 90 e, de repente, somos transportados de volta a 1912, onde vemos Rose mexer em seu bolso e achar o diamante. Uma cena tão sutil que mudou o rumo da história (para os telespectadores, é claro, já que não faz muita diferença para aquele cara que gastou milhões procurando uma pedra para desistir quando ela finalmente foi lançada ao mar)..
d) Narrador não-confiável: Ele está narrando a história em primeira pessoa, então é a única fonte de informação do público. O choque da reviravolta aqui é salientado pelo narrador se dar muito bem/muito mal, mesmo não merecendo. Afinal de contas, ele manipulou toda história a seu favor, deixando difícil para os leitores decidirem o que realmente acham de sua índole.
Exemplo: Citando Machado de Assis novamente, temos a discussão mais acalorada por todo ensino médio. Em “Dom Casmurro”, deveríamos ler apenas uma história cotidiana de romance, que virou uma tragédia devido à “infidelidade” de Capitu. Contudo, o narrador da história é o próprio Bento, e nunca ficamos sabendo se ele estava mentindo ou não.
e) Chekhov's gun: é um princípio narrativo que diz que tudo que é colocado em uma narrativa tem um propósito. Em meio a um plot twist, o chekhov's gun pode ser qualquer elemento (desde uma personagem até um objeto), que irá ser relevante para o clímax da história.
Exemplo: No filme* “Um porto seguro” temos a personagem Jo, que se torna amiga de Erin. As duas ficam cada vez mais próximas, e Jo passa a dar várias dicas de relacionamento para que Erin perca seu medo e Alex e ela sejam felizes juntos. No fim descobrimos que Jo é a falecida esposa de Alex, que tirou férias do céu e permaneceu por ali só para ter certeza de que seu amado e filhos teriam um bom futuro.
*(não li o livro, então não posso dizer se a narrativa se repete)
f) Descoberta: A última e não menos importante subcategoria do plot twist, é a descoberta (ou anagnórise). Nesse caso, a personagem faz uma descoberta sobre si (ou de outro personagem) que muda o rumo da narrativa.
Exemplo: Em “O sexto sentido” Bruce Willis está morto. O filme inteiro. O que difere, no entanto, com o plot twist Red herring demonstrado em “Os outros”, é o fato de que a narrativa girava em torno do menino, Cole. Então a descoberta nos faz ver que o protagonista nunca foi Cole, e sim Malcolm (por protagonista, falo daquele que precisava “fechar” um ciclo). Claro, temos algumas dinâmicas Red herring (de deixar pistas soltas que indicavam a morte do psicólogo), mas o choque nesse caso é justamente a mudança súbita da natureza do protagonista.

Ótimo, agora eu tenho muitas referências. Mas como eu utilizo essas dinâmicas no meu texto?
Não existe uma fórmula mágica que faça plot twists funcionarem. O grande segredo para uma reviravolta ser bem executada, é ela ter coerência e casar com o texto.
Com isso quero dizer: não force a barra para usar um plot twist. Criar uma história mirabolante só para inserir uma ideia que cause choque no leitor não é uma boa ideia.
Além do mais, fazer de plot twists uma assinatura sua pode tornar-se, por incrível que pareça, previsível demais.
Um exemplo simples que nem chega a ser um spoiler: George R. R. Martin adora matar suas personagens. O primeiro “protagonista” que morreu causou um tremendo choque e comoção. Mas agora, mesmo ferindo sentimentos alheios, as mortes são apenas o caminho necessário para o decorrer da narrativa. Ou motivo para piada no Facebook. De qualquer forma, aquele choque que sentíamos nos primeiros livros/temporadas de Game of Thrones, agora já passou.
Temos também o diretor de cinema Shyamalan. Depois de “O sexto sentido”, vimos “Sinais” e “A vila” serem vendidos como filmes de finais surpreendentes. Mas basta perceber como ambos não geraram polêmica pelos seus finais para saber que eles talvez não tenham surpreendido tanto assim.

Conclusão
Reviravolta é um elemento que pode lançar sua narrativa para o sucesso. Tendo um bom enredo e um final surpreendente, é quase impossível a história não receber comentários positivos.
O problema é que a única forma de saber o que funciona e o que não funciona é testando.
Gostaria então, de deixar um site muito interessante, que pode ajudar muito aqueles que querem ter ideias para plot twist (seja para incorporar em suas histórias ou apenas para treinar seu poder narrativo). Estou falando do Plot Twist Generator. O site é em inglês, mas seu objetivo é dar uma frase de reviravolta para que o autor possa se inspirar e incorporar aquilo à sua história.

Espero então que toda a informação acima auxilie vocês na hora de escolher o tipo de plot twist que mais se encaixa com sua história.
Links consultados:




6 comentários:

  1. É claro que não podemos esquecer da reviravolta em O Mistério das Duas Irmãs.

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  2. Maravilhoso o texto! Eu sou uma amante de plot twists declarada, afinal, histórias com enredos inesperados são memoráveis! (Melhor que plot twist só histórias de final aberto para interpretações). - "Os irmãos Karamazov" junta os dois <3
    Enfim, eu adoraria sugerir um assunto que não tem muito a ver com o post, mas vem me atormentando desde muito!
    "Como iniciar uma fic sobre um assunto o qual você não tem muito domínio? " - Como assim? Bem, eu vou usar o meu exemplo: pretendo escrever uma história na qual os personagens são músicos. Mas eu não toco nenhum instrumento, não sei o básico de música, dó ré mi ... o que vem depois ?), enfim, já deu pra entender.
    No entanto, uma das minhas manias é apostar na verossimilhanca quando estou escrevendo! Eu me sinto mais segura sobre um assunto que eu conheço, obviamente.
    Que fontes seriam confiáveis para uma pesquisa? Será que eu tenho que sair perguntando por aí para músicos?
    Como uma aspirante a escritora de ficção não fantástica, eu adoraria receber dicas de o que fazer para conquistar a confiança dos meus leitores e a minha própria auto confiança! (Aquela auto confiança de escritores de ficção científica que escrevem sobre apocalipses zumbis, usando de imaginação e pesquisa!)
    O assunto não se restringe apenas à música, só usei meu exemplo! Conheço muitas pessoas que querem criar seus personagens com um requinte de psicologia, outros ainda que ambientam suas narrativas no exterior.

    Ufa! A pergunta foi meio imprecisa e abrangente, mas espero que compreenda! Pois há um enorme grilhão de ferro me prendendo ao chão e que não permite que eu de asas à minha história, chamado "Insegurança".

    Aguardo por mais posts seus, e não se incomode em responder meu comentário se não entendê-lo :S

    Bjos

    (~*----*)~

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    Respostas
    1. Olá! No teu caso, eu mesma posso ajudar-te, se quiseres, poisestudo música. Se quiseres contactar-me, deixo aqui o meu perfil no Nyah! (http://fanfiction.com.br/u/267364/). Nos outros casos, só há uma solução: pesquisar. Google, perguntar em grupos de escritores, perguntar a amigos, ler livros sobre esse assunto, etc. Há vários autores com esse problema e estas são as únicas soluções que eu conheço.

      Obrigada pelo comentário!
      Beijos

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  3. O post me ajudou muito! Adorei o conteúdo, vou praticar!

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